Aposentadoria não é sinônimo de fim de carreira

Poucas empresas investem em programas para o profissional sênior e não mensuram o impacto nos negócios. Mas esse comportamento tem mudado e há espaço para quem é atualizado
O brasileiro vive mais e a população do país está envelhecendo. De 1940 a 2016, a nossa expectativa de vida ao nascer aumentou em mais de 30 anos, e atualmente é de 75,8 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E conforme o Relatório Mundial de Saúde e Envelhecimento, da Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas com mais de 60 anos no Brasil deve crescer muito mais rápido do que a média internacional. Enquanto a quantidade de idosos vai duplicar no mundo até 2050, ela quase triplicará no país. Ou seja, a porcentagem de idosos deve alcançar os 30% até a metade do século. E essas pessoas precisam trabalhar. E se pensarmos na inevitável reforma da Previdência, então, é indiscutível que tanto o mercado precisa absorvê-las quanto o profissional tem de se preparar e acompanhar a demanda do empregador. É fato.
Eloísio Pereira, de 60 anos, assistente de programador da Lafaete, empresa mineira especializada em soluções construtivas, aposentado e há 15 anos trabalhando na organização, é um exemplo. Para ele, idade não define o profissional: “Acredito que, pela minha experiência, passo aos mais jovens não só conhecimento técnico como de vida. O que ajuda a me manter no mercado. E os mais novos também têm o que ensinar porque, independentemente da idade, aprendemos o tempo todo.” Ele reforça que “gerações diferentes juntas agregam, ambas podem ser professores porque toda relação é troca de conhecimento”.
Beth Barros, diretora regional da consultoria Lee Hecht Harrison (LHH) Minas Gerais, diz que o aumento da expectativa de vida é uma grande conquista do Brasil, já que nos países desenvolvidos isso já é uma realidade. Porém, algumas empresas ainda não se deram conta de que precisam ajudar o funcionário prestes a se aposentar, dando-lhe suporte e orientando-0 a vislumbrar novos caminhos. “As corporações criam programas de trainees, de jovens talentos, mas deveriam investir também em projetos para beneficiar aqueles que colaboraram com a empresa e estão (ou não) de partida. Isso ajudaria a criar um clima mais saudável, de maior respeito, melhoria do processo de transmissão dos conhecimentos intergeracional, e tornaria menos traumática essa transição para todos.”
Segundo a especialista, grandes corporações normalmente estão reestruturando e mudando o escopo dos cargos, acreditando que funcionários mais velhos são resistentes às mudanças e às transformações. “Sem investir em profissionais seniores, companhias desperdiçam um ativo importante para a transmissão da gestão do conhecimento e continuidade dos negócios.”
Mas há empresas que seguem caminho contrário. Na análise de Beth Barros, exemplo de gestor de visão é o que faz a mescla de gerações. “As empresas que investem em programas de pré-aposentadoria para apoiar os funcionários a explorar alternativas de pós-carreira corporativa planejam a transmissão do conhecimento entre as gerações, minimizando os impactos negativos da transição para a próxima geração que continuará desenvolvendo o negócio.”
Beth Barros ressalta que muitas pessoas com mais de 60 anos chegam com disposição e vontade de permanecer no mercado de trabalho. “O caminho é estar em movimento, buscando a constante atualização. Além disso, a experiência desses profissionais é de grande valor porque eles já passaram por diferentes experiências profissionais e por isso conseguem oferecer soluções com garantias mais assertivas.” A diretora reforça que é um equívoco as empresas acharem que a terceira idade está resignada a passar os dias jogando dominó nas praças. Ao dispensá-la, podem estar desperdiçando um ativo precioso.
Vida e carreira
A LHH tem um programa, chamado Vida na maturidade que engloba seis marcos: pesquisa de tendências de aposentadoria e trabalho; exploração das recompensas pessoais da vida; idealização da próxima fase; consideração de opções; avaliação de recursos; e criação e implementação de um plano de ação. O que tudo isso significa? Beth Barros explica que “o programa estruturado de planejamento do pós-carreira corporativa, além de ajudar as organizações a planejar e implementar políticas de transmissão do conhecimento entre as gerações, contribui para o desenvolvimento dos profissionais em relação ao futuro desejado. Reforçam a sua autoestima em um momento de transição delicado de suas vidas. Ele ajuda a definir um plano de vida e carreira, considerando o equilíbrio entre vida profissional e pessoal”.
Há profissionais seniores preparados, mas também uma parcela que não será absorvida. O que fazer? Para Beth Barros, com o aumento da expectativa de vida, um planejamento financeiro mais extensivo se faz necessário. “No pós-carreira, seja ela corporativa ou não, é importante levar em conta os talentos, motivadores, conhecimentos, competências e interesses. É interessante aplicá-los em alternativas como empreendedorismo, nova carreira, consultoria, vida acadêmica, atividades sem fins lucrativos ou lazer.” Por outro lado, Beth Barros enfatiza que há o sênior que quer fazer a transição de carreira. Nesse caso, ela recomenda que ele considere o seu know-how, experiência de vida, suas competências, talentos, interesses, condições financeiras e como se planejou para chegar nessa fase".
O profissional e a empresa que ainda insistem em colocar na ordem do dia as diferenças diante do choque de gerações trabalham contra si. E a organização que ainda não enxergou que o colaborador acima de 60 anos tem seu valor e contribui com conhecimento e experiência, principalmente, para minimizar impactos no trabalho e na transição para a próxima geração, falha na gestão do seu negócio. Roseluci Jardim Mafia, professora de gestão de pessoas do Ibmec-MG, da Fundação Dom Cabral, e consultora de empresa para o desenvolvimento de líderes e equipes, alerta que para organizações sérias o que interessa é o capital intelectual. Ele é o que conta, não importa a idade.
Roseluci Jardim explica que a seleção atual contempla comportamento, seja jovem ou velho: “As empresas procuram profissionais interessados, que saibam receber crítica, dar opinião, comprometidos, que trabalhem com qualidade e boa vontade, enfim, aqueles que não se economizam, dos 18 aos 80 anos”.
Agora, é claro que há pontos específicos para a faixa etária sênior. Para o profissional, a professora e consultora alerta que ele jamais deve entender que a idade é um limitador. O que depende da postura individual. “Tem de saber que trabalho terá sempre, pode não achar emprego. E que não terá os mesmos ganhos ou a vida tranquila de antes, vai trabalhar muito mais. Há o ônus e o bônus. Tem de ser realista. É fundamental que esteja preparado, atento e se reciclando para conviver com as pessoas diferentes, e não só na idade. Logo, evite comentários preconceituosos, lembre-se do respeito a tudo que é novo, ou seja, não é o que fala, mas como diz, e não ache que o seu modelo é o único certo. E esteja certo de que as empresas sérias não contratam corpo, mas cabeça.” Do lado das empresas, Roseluci Jardim Mafia enfatiza que elas não podem abrir mão da experiência porque não há ninguém descartável no mercado.
Roseluci Jardim lembra que o choque de gerações sempre existirá. Mas o fundamental neste momento, diante das mudanças do mundo e do novo cenário do mercado de trabalho, é que todos se encaixem na chamada “geração perennials, que não se identifica por idade, mas por comportamento. Um grupo que não é engessado. É aquele que faz dar certo e causa efeito ao seu redor, dá feedback”. A professora lembra que o profissional sênior tem seu lugar, ainda que seja mais difícil. A resiliência aqui é o tombar e levantar o mais rápido possível. Pode parecer frio, mas é a realidade. E, como sempre digo, é o que temos para hoje.”
Resultado
Quem se impõe e busca por espaço é Eloísio Pereira, de 60 anos, assistente de programador da Lafaete, empresa mineira especializada em soluções construtivas, aposentado e há 15 anos trabalhando na organização. “Estudei até o ensino médio. Comecei a trabalhar aos 12 vendendo verdura, e não parei mais. De guarda mirim a fiscal de limpeza urbana da SLU, trabalhando na área administrativa em várias empresas até ser dono da minha, no ramo de entrega de documentos, que quebrou com o confisco da poupança no governo Collor e nunca mais consegui me reerguer. Mas fiz toda a minha formação profissional na área administrativa. Tudo na prática. E como empregado, sempre busquei meu espaço e nunca fui de pular de emprego. Tenho média de sete anos nas empresas em que trabalhei.”
Eloísio Pereira se aposentou há cinco meses e diz que continua feliz e trabalhando enquanto lhe derem oportunidade. “Por ser popular, amigo, não me sinto constrangido com nada. Sei como lidar com as pessoas e convivo com os dois lados, jovens e maduros. E me sinto bem. Eu me relaciono com todos e acredito que, além do conhecimento, do tempo de empresa, consigo ver as dificuldades e ajudar, tenho trânsito confortável. Também conta a meu favor o fato de ter tido a minha empresa e entender de gestão de pessoas.”
Na carreira profissional, idade é o que menos interessa para Eloísio. “O que importa no final é o resultado. Entregar o que é da sua competência. Seja qual for o profissional, ele recebe ordens e tem de levar as soluções. Temos de resolver e entregar o resultado. E se vejo falhas tento ajudar, porque nós falhamos, e nada tem relação com a idade.”
Coexistência para sobreviver
Marina Portela Fernandes Rodarte, professora de negócios e gestão de pessoas da PUC Minas, da Fundação Dom Cabral e da Skema Business School, consultora organizacional e gerente de RH da Torc, é pragmática e realista quanto ao mercado de trabalho para profissionais seniores: “As empresas têm a tendência, não é um fenômeno de agora ou por causa da crise, de investir na juniorização, contratação mais barata e que assume até funções que não deveria. Há benefícios de custo, a presença de pessoas mais antenadas e ligadas no mundo atual. Por outro lado, há despesas com treinamento, de produção e, mesmo sem querer rotular gerações, é fato que jovens implicam mais rotatividade”. No entanto, ela enfatiza que “existem iniciativas de trazer para o mercado mão de obra produtiva sênior, ainda que para o preenchimento de vagas operacionais, mais baratas. Há esse movimento no Brasil e, nos EUA, é até comum. No entanto, por lá é uma ação de responsabilidade social, com caráter de preservar a mente produtiva e não ociosa. O que não vejo como valorização profissional do sênior”.
Mas para tudo há saída. Marina Portela Fernandes Rodarte alerta que no mercado há cargos em que se o candidato for muito jovem será reprovado. Há seleções que exigem um profissional com experiência e que entenda da vaga em aberto profundamente. São cargos em que ter bagagem é fundamental e a empresa inteligente não abre mão desse perfil. As organizações precisam valorizar talentos seniores e esses têm de acompanhar a dinâmica do mercado, que muda constantemente. Ela avisa que o problema da bagagem é ficar apegado ao passado, no sentido que da forma que aprendeu ou fez é a maneira certa.
Resistência
Ainda sim, Marina Rodarte deixa claro que não se pode inovar sem pensar no que já existe, não é simplesmente descartar. E a tecnologia não é solução para tudo ou significa enxugar o quadro de colaboradores. Todos necessitam evoluir e isso vale para qualquer profissional, de todas as idades. O mundo muda e todos têm de acompanhar, senão terão problemas. “É preciso que cada um saiba gerir sua resistência à mudança.”
Quanto aos patrões, Maria Rodarte reforça que a empresa ideal é a que adota o mix de profissionais jovens e maduros, já que ela depende de quem repassa conhecimento e de quem apresenta incômodo. É o caminho. “Sei que muitas têm dificuldade de fazer essa gestão de conhecimento, competências e culturas. Mas quaisquer dos lados devem saber que não há como resistir às mudanças. E o profissional não deve ser apegado ao passado porque a ordem do mundo é se adaptar, aprender em qualquer idade, se preciso estar disposto a dar um passo atrás. Esse cenário também requer e exige um RH mais preparado para atender esse público que permanece no mercado e não tem de lidar com ações pejorativas, do tipo 'que bonitinho, trabalhando ainda'. A engrenagem do trabalho tem de entender, seja júnior, pleno ou sênior, que todos podem, devem e dependem de coexistir juntos.”
(Correio Braziliense, 6.02.18)